Senado Federal sinaliza que afastar falsos heróis vale mais que corporativismo
Senado sinaliza que afastar falsos heróis vale mais que corporativismo
Publicado em: 20/04/2020 às 09h11A decisão do Senado Federal de tirar de Selma Arruda (Podemos-MT) o cargo de senadora foi vista como um marco na relação entre Judiciário e Legislativo. Mas também como uma mudança de postura em relação a juízes que usam o cargo para se alavancar na política. Não por acaso, já tramita no Congresso projeto para estabelecer quarentena para quem sai da magistratura para disputar cargos eletivos.
Ao longo do processo contra a ex-senadora, ficou demonstrado que ela era orientada por um marqueteiro para escolher o que e como julgar para potencializar a sua imagem de "Moro de saias" — invariavelmente no sentido de condenações, tendo ou não materialidade nas acusações. Da mesma árvore genealógica fizeram parte outros tantos juízes que seguiram o mesmo caminho.
Nem todos tiveram sucesso, como o juiz Odilon de Oliveira, que também transformou sua vara em palanque para depois concorrer ao governo do Mato Grosso do Sul. Ficou famoso mundialmente como o maior algoz de traficantes, para depois descobrir-se, entre outras coisas, que a sua vara desviava dinheiro apreendido em "operações". O truque dos falsos paladinos não é exclusivo de juízes. Os integrantes do Ministério Público Pedro Taques, também de Mato Grosso do Sul, e Demóstenes Torres, de Goiás também usaram o trampolim dos seus cargos para se eleger e igualmente despencaram quando flagrados em suas contradições.
Outra que chegou perto, mas não se elegeu foi a ex-ministra do Superior Tribunal de Justiça Eliana Calmon. Como os demais personagens dessa saga, Calmon fez-se famosa com acusações generalizadas de corrupção, o que lhe rendeu a aura de vestal que usou para tentar pavimentar carreira política. No caso de outro mandrake de toga, o ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa, mesmo muito cotado, não conseguiu sequer estruturar um comitê eleitoral ou mesmo seu escritório de advocacia.
A tecnologia da vara-palanque, em geral, precisa do concurso de delegados da Polícia Federal, integrantes do Ministério Público e jornalistas para que acusações apenas verossímeis sejam aceitas como provas aptas a condenar "poderosos". Um grupo precursor dessa escola foi o que se formou em torno do então juiz federal Fausto de Sanctis, na 6ª Vara Criminal Federal em SP. O grupo montava e direcionava casos clamorosos para as mãos do juiz, que, invariavelmente, condenava ou prendia os alvos da trama. Quase que invariavelmente, também, as decisões frouxas eram revogadas.
Muito do que fez depois Sergio Moro, em Curitiba, e faz hoje Marcelo Bretas, no Rio de Janeiro, foi fruto de manobras inseminadas nesse laboratório. Sergio Moro, o artífice mais articulado de todos, já intentara o modelo com o escândalo do Banestado, na década de 90. Moro estimou em 30 bilhões de dólares o tamanho dos crimes apontados. Esse caso não prosperou, contudo.
A decisão emblemática do Senado pode ser uma tendência, mas leva mais jeito de bolha. Selma Arruda, condenada pelo Tribunal Superior Eleitoral, já deveria ter sido defenestrada do Parlamento há mais de um ano. Foi beneficiada, veja só, pelos colegas que defendem a execução da pena logo após condenação em segunda instância — como ironizou o ministro do STF Gilmar Mendes, que também é de Mato Grosso.
A falsificação da moralidade atingiu seu ápice recente nas últimas eleições. O número de capitães, majores, cabos, delegados ou ex-juízes no Congresso Nacional e governos federal, estaduais ou municipais mostra como a combinação de oportunismo, marketing e uma plateia ávida por fantasias pode influir nos rumos de um país.
Essa nova forma de construção política tem encontro marcado com a política tradicional. Será em 2022, quando devem ter seus nomes na cédula eleitoral três nomes de personagens que ganharam popularidade usando cargos públicos fantasiados de paladinos da moral: Jair Bolsonaro, Sergio Moro e, agora, Luiz Henrique Mandetta. Muito embora não tenha tido o tempo que tiveram os outros dois, Mandetta chegou a estruturar a sua "operação lava-vírus". Ensaiou sua força-tarefa, com a participação de governadores como Wilson Witzel e João Doria, mas foi abatido. Mal ensaiava os primeiros passos, por não ter notado, como Moro ensinou, que até na malandragem é preciso observar as regras da gafieira.
Rigor seletivo
É comum e sabido que uma parte da magistratura defende, ainda que apenas nos círculos de amigos, penas mais rigorosas e critica o direito de defesa. Selma Arruda é um exemplo de juíza que alcançou seu ápice se colocando como bastião da interpretação rígida das regras constitucionais. Foi também relatora de uma proposta de emenda que quer incluir na Constituição a possibilidade de execução da pena após decisão de órgão colegiado. A PEC não especifica que a execução vale apenas para os casos penais.
Ao ter seu mandato cassado, porém, Selma deixou que o pêndulo de sua defesa fizesse o discurso contrário: argumentou pela insegurança jurídica, vulnerabilidade das candidaturas e pediu ainda que o TSE ou STF usassem o efeito suspensivo ao recurso contra o acórdão de cassação. A defesa pediu para "modificar o acórdão do TSE, que não tem nenhuma relação com o debate sobre execução provisória da pena em segunda instância", porque, em tese, o caso seria "de matéria puramente eleitoral".
Os defensores da execução antecipada da pena para os outros entraram em ação para tentar impedir a condenação que gerou a cassação de Selma Arruda. O ministro da Justiça Sérgio Moro e o senador Álvaro Dias foram ao TSE para defender que pessoas do seu grupo deveriam ter tratamento diferente. Conseguiram apenas o voto do ministro Edson Fachin.
Após ter formalizada a cassação pelo Senado nesta quarta-feira (15.04), Selma tentou novamente. Recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF) para sustentar que não teve tempo de defesa, em recurso que foi distribuído a ministra Rosa Weber — também integrante da corte eleitoral e que votou pela cassação da Senadora Selma.
Direito de resposta
No domingo (19.04), o juiz aposentado de MS Odilon de Oliveira também se manifestou:
"A matéria em referência cita o juiz Odilon de Oliveira como transformador de “sua vara em palanque para depois concorrer ao governo do Mato Grosso do Sul” e que, depois de ficar mundialmente famoso como algoz de traficantes, descobriu-se “que sua vara desviava dinheiro apreendido em “operações”. Com todo o respeito merecido por este conceituado veículo de comunicação, sua expressão, a respeito do juiz Odilon, seria diversa se, antes, os autores da matéria tivessem reunido as peças e as circunstâncias da verdade real, pelo critério imperioso da ética jornalística.
A afirmação de que a “vara desviava dinheiro” é genérica e, por isso, lança suspeitas sobre todos os seus componentes. Uma vara judicial é composta por servidores e juízes, titular e substituto. A matéria induz à falsa conclusão de que esse conjunto de pessoas praticava desvios.
As peças da verdade, que não foram procuradas, estão nos autos da ação penal, onde um único servidor, então diretor de secretaria, com exclusão de todos os demais, praticava desvios de valores sob sua guarda. Por iniciativa dos juízes da vara, após rigorosa apuração interna, o funcionário foi processado, condenado a 41 anos de prisão e exonerado a bem do serviço público.
Não houve participação, omissiva ou comissiva, de nenhum outro servidor da vara, incluindo-se os dois juízes, titular e substituto, razão pela qual a matéria veiculada, optando por critério genérico, não traduz a verdade real existente nos processos indicados e noutros de competência originária do Tribunal Regional Federal da 3.ª Região. De decisões da Corregedoria do TRF3 se extraem algumas partes conclusivas: “... faz evidenciar que as condutas e resultados ilícitos foram concebidos, praticados e beneficiaram exclusivamente o ex-diretor de secretaria, sem qualquer participação, consciência, conhecimento ou vontade por parte do requerido” (juiz Odilon).
“...o conjunto probatório produzido sob contraditório judicial é suficiente para, em sede administrativo-disciplinar, antever elementos suficientes para a conclusão de que os ilícitos, narrados nos autos, não foram praticados com conhecimento e adesão do magistrado para efeito de gerar a respectiva responsabilidade funcional”. “... no caso, constam dos autos elementos indicativos de que o ex-diretor,... articulando, enfim, ações reveladoras de ousadia, astúcia, insídia, má-fé e habilidade para o intento delitivo, logrando enganar juízes, membros do Ministério Público Federal, advogados, servidores, peritos e todos os que funcionaram nas ações em trâmite na unidade judiciária”.
Destaca-se, da decisão da Presidência do TRF3, ao exonerar o ex-diretor, o que basta para concluir que a ausência de citação nominal do verdadeiro culpado, na matéria, induz à equivocada compreensão de que o juiz e demais servidores da vara praticaram desvios: “o conjunto probatório, como visto, mostrou-se robusto a respeito da má-conduta do ex-diretor de secretaria. Os fatos apurados são de extrema gravidade e maculam, de uma só vez, a imagem dos servidores da vara federal de Campo Grande, do magistrado titular da vara e do próprio Poder Judiciário”.
Quanto à irrogação de transformação da vara em palanque para futura candidatura, quem prestou verdadeira atenção na atuação do juiz Odilon, aposentado após 55 anos de trabalho (advogado, promotor de justiça, juiz de direito e juiz federal), como toda a imprensa nacional e internacional, além de outros organismos, como a própria ONU, repete que não. Sua dedicação, ao longo de décadas, e não apenas perto de sua inatividade, sacrificando família, férias, domingos e feriados para se empenhar no enfrentamento da criminalidade, com certeza edificou um cenário fértil para o vilipêndio e conjecturas manejados por quem teve ou ainda apoia interesses contrariados.
Saudações. Odilon de Oliveira – juiz federal aposentado"