Brasil não precisa ficar rico para ter qualidade na educação
Brasil não precisa ficar rico para dar salto de qualidade na educação, diz diretor da OCDE
Publicado em: 03/10/2018 às 15h59Considerado uma das maiores autoridades no tema, o físico alemão de 54 anos é o idealizador do Pisa, o exame internacional aplicado pela OCDE a estudantes de 15 anos de 75 países, que se tornou o principal parâmetro para medir qualidade de ensino no mundo.
Em entrevista à BBC News Brasil, Schleicher diz que, mesmo num cenário de dificuldades fiscais e alta taxa de desemprego, o caminho para o desenvolvimento brasileiro precisará passar, inevitavelmente, pela educação.
"O Brasil não precisa esperar ter mais recursos. Aliás, se o Brasil não investir em educação, não se tornará um país rico. A Coreia do Sul era muito mais pobre que o Brasil nos anos 60 e usou todos os últimos recursos que tinha em educação. E foi isso que fez com que se tornasse um país rico", afirma.
Segundo ele, qualidade da educação num país não tem a ver com o nível de riqueza, mas sim com o investimento inteligente dos recursos de que dispõe.
"As pessoas dizem: 'O Brasil é um país pobre e precisa ficar rico antes de alcançar uma boa educação.' E isso não é verdade. Você pode ver países como o Vietnã, onde os mais pobres vão tão bem quanto os ricos no Brasil."
O diretor da OCDE critica o que chama de "investimentos desproporcionais" do governo brasileiro no ensino superior, em comparação com os gastos com ensino fundamental. Uma estratégia que, segundo ele, "cimenta desigualdades".
Mas vê como um grande feito do Brasil o fato de ter conseguido incluir a população na escola, na década de 90 e nos anos 2000, sem piorar resultados durante o processo.
Schleicher defende ainda que, em um país desigual em oportunidades como o Brasil, é importante direcionar investimentos públicos para quem mais precisa.
"É preciso alocar recursos onde eles realmente farão a diferença, ou seja, nas escolas e em pessoas em situação de desvantagem econômica e social. Se você vem de uma família rica, escolaridade pode não fazer toda a diferença na sua vida. Mas se você vem de uma família pobre, a escola pode ser sua única chance na vida. Se você perder esse barco, não haverá outra oportunidade."
Leia os principais trechos da entrevista, sobre as lições que o mundo oferece à educação no país:
Quais os pontos mais vulneráveis do sistema educacional brasileiro?
Andreas Schleicher - Eu não tenho uma postura crítica ao Brasil. O Brasil conseguiu expandir o seu sistema de ensino e, pelo menos, manter o nível dos resultados de aprendizado. Isso é raro. Muitos países que expandiram o acesso perderam qualidade. Mas claro que é um passo inicial e há muitos desafios pela frente.
O Brasil, por exemplo, investe de forma bem desproporcional em alunos universitários, ou seja, aqueles que sobreviveram ao sistema educacional ganham muitos fundos públicos. E, nos primeiros anos de escola, o investimento é bem modesto. Eu não acho que dinheiro seja tudo, mas é um ponto de partida.
Os países que vão bem focam em fatores que influenciam na qualidade dos professores, e esses profissionais cumprem um papel mais relevante no sistema educacional, para além da transferência de conhecimento aos alunos. Os professores no Brasil não têm uma verdadeira carreira e também não há uma variedade de oportunidades para os alunos. Tudo é muito centrado em universidade. Você não tem muita alternativa.
No contexto brasileiro, em que é preciso educar e empregar os jovens? Seria recomendável investir mais em educação técnica?
Schleicher - É importante garantir variedade de formas de aprendizado, possibilitar o aprendizado de maneira mais prática e menos teórica. No momento, todo o foco está nas universidades, como se esse fosse o único caminho para o sucesso. E todos se digladiam para chegar lá. Se não conseguem em universidades públicas, vão para instituição privadas - algumas com qualidade questionável.
Muitos países ofereceram uma gama mais variada de opções de formação com alta qualidade. Imagino que muitas pessoas no Brasil não considerariam uma educação profissionalizante como primeira opção, porque ela não tem o mesmo nível de prestígio.
É diferente da Suíça e da Alemanha, onde esse tipo de qualificação tem o mesmo prestígio que a universitária, o que faz com que essas opções se tornem atrativas para os jovens. Em geral, as pessoas aprendem de maneiras diferentes e o sistema de ensino tem de ser capaz de criar essa diversidade. Professores em sala têm de abraçar técnicas pedagógicas variadas, mas também oferecer caminhos diferentes para os alunos.
Então, a universidade não deve ser encarada como o melhor caminho para o desenvolvimento, e não deve ser prioridade em termos de investimentos públicos?
Schleicher - Com certeza, não. Não é bom para as pessoas e não é bom para o Brasil. Os conhecimentos e qualificações de que a sociedade brasileira precisa são muito diversos e o sistema deve responder de forma criativa. O foco não deve ser só nas universidades.
Por um lado, você pode dizer que é bom que o dinheiro público esteja indo para as universidades, mas ele acaba sendo direcionado somente àquelas pessoas que foram bem sucedidas da escola. E, normalmente, os jovens de famílias mais ricas, que têm mais apoio e foram para boas escolas, se beneficiam com a maior parcela do dinheiro público. Isso praticamente cimenta as desigualdades que vemos no Brasil.
E em que o Brasil deveria focar, no próximo governo?
Schleicher - Seria melhor garantir que todas as pessoas, nos primeiros anos de vida, recebam mais apoio e acesso aos melhores professores, além de desenvolver a capacidade de atrair os professores mais talentosos para as escolas de maior vulnerabilidade, dando a melhor educação às crianças em maior desvantagem socioeconômica.
Queremos que os melhores alunos consigam vagas nas universidades, não os mais ricos. Investir nos primeiros anos de escolaridade, criar fundamentos sólidos já no início da infância é o melhor investimento. Isso inclui garantir fundamentos psicológicos e emocionais sólidos aos jovens estudantes.
Então, universidade não deve ser vista como algo que precisa ser universalizado?
Schleicher - A tendência é que algum tipo de formação continuada, após o ensino médio, seja universalizado. No século 21, especialização ou formação técnica é o que o ensino médio era no século 20. As pessoas precisam de algum aprendizado para além da escola. Mas isso não significa ir para a universidade. E não significa uma formação que venha logo após o ensino médio.
Precisamos pensar em um aprendizado ao longo da vida, que garanta que as pessoas tenham mais controle sobre o que querem aprender, como e onde. No momento, a ideia preponderante (no Brasil) é que temos que ter um bom diploma de ensino médio, depois um bom diploma universitário e, então, eu paro de aprender. Esse não é o modelo do século 21. O Brasil deve oferecer a todos uma oportunidade de continuar sua formação educacional. Isso deve ser universal, mas isso não significa que a universidade deva ser o único caminho.
Que outros caminhos para o sucesso o senhor sugeriria?
Schleicher - Poderia ser uma formação técnica de alta qualidade, poderia ser treinamentos de alto padrão diretamente nos locais trabalho, nas empresas. Há vários caminhos para expandir seus horizontes.
Ter uma boa política de qualificação e valorização dos professores é chave para bons resultados educacionais, segundo os relatórios da OCDE. Como o Brasil pode melhorar?
Schleicher - Tudo começa por selecionar os melhores profissionais. Isso significa tornar a formação para o magistério bem seletiva, e garantir que uma parte considerável do treinamento se dê nas salas de aula das escolas, não apenas nas universidades. As salas de aula são os locais onde os professores adquirem boa parte da técnica e da qualificação.
Em resumo, ter um equilíbrio entre formação teórica e prática e ser seletivo na contratação seriam bons pontos de partida. E, por fim, o que eu acho que é muito importante no contexto brasileiro dar aos professores oportunidades para continuar a aprender e se desenvolver.
O mundo está mudando muito rapidamente e dar aos professores carreiras interessantes, apoio e tempo para investir no aprendizado, para além do tempo gasto em sala de aula é essencial. A imagem do professor no Brasil, não raro, é a de um instrutor.
A valorização da carreira de professor passa primeiro por melhores salários?
Schleicher - Por um lado, podemos dizer que o Brasil tornou dar aulas um pouco mais atrativo financeiramente nos últimos anos. Os salários aumentaram um pouco. Mas o Brasil não fez o suficiente para tornar a carreira de professor intelectualmente atrativa. E você quer que as pessoas mais talentosas e competentes da sociedade se tornem professores. É o que aprendemos da Finlândia. Lá, os salários de professores não são fantásticos, mas todos querem se tornar professores, porque é considerado uma carreira incrível. Professores estão sendo melhor pagos no Brasil do que antes, mas o tipo de trabalho que eles exercem é industrial.
No Brasil, não existe um currículo nacional. Mais recentemente, foram lançadas diretrizes nacionais para o ensino fundamental e está em elaboração um projeto semelhante para o ensino médio. Seria recomendável haver um currículo nacional a ser seguido pelas escolas?
Schleicher- Esse é um tema controverso no Brasil, mas a minha visão sobre isso é clara. A grande maioria dos países com bom desempenho tem um currículo nacional. Não se trata de dizer às pessoas o que ensinar e como ensinar, é sobre ter uma visão compartilhada do que são bons resultados de aprendizado.
É algo que sobre o que a sociedade precisa refletir: o que é importante para nós em termos de aprendizado, que metas educacionais queremos alcançar? Poucos países vão bem sem ter essa visão compartilhada.
Qual país seria um bom exemplo de uso de currículo nacional, sem que isso signifique reduzir a autonomia do professor?
Schleicher - Currículo não precisa ser algo imposto de cima para baixo. O Japão, por exemplo, tem um currículo nacional e um único livro didático usado nas escolas. Quem vê de fora pode achar que os professores não têm influência no que está sendo ensinado, mas é o contrário. Todo professor do Japão participa da elaboração desse currículo. Eles participam de debates nas escolas e encaminham material, revisam.
Então, o currículo não é algo que cai do céu de repente ou que é feito só pelo Ministério da Educação. Acho que o Brasil está tentando fazer isso. Considero que o processo (de elaboração das diretrizes nacionais para ensino fundamental e médio) tem sido bem aberto e inclusivo.
No Brasil, mesmo os alunos das escolas com mais recursos não chegam nem à média das notas dos países analisados pela OCDE. Há uma 'universalização' da baixa qualidade na educação?
Schleicher - Essa é uma observação importante. As escolas privilegiadas não estão entregando os resultados que se esperaria dentro do contexto econômico e social. O que isso mostra é que alguns retrocessos em qualidade educacional no Brasil não têm nada a ver com pobreza, são problemas sistêmicos que o Brasil precisa resolver. Isso inclui qualidade dos professores e ter currículos inspiradores.
Em algumas áreas ricas do Brasil, os alunos têm boas notas no boletim, mas resultados ruins no Pisa. Há claramente um desencontro entre o que se espera do sistema e o que ele entrega em resultados. Mas eu vejo um lado positivo nisso. Isso mostra que nem tudo tem a ver com pobreza. Tem muita coisa que pode ser feita no atual contexto econômico para melhorar os resultados em educação.
Os 10% mais pobres do Vietnã apresentam os mesmos resultados que os 10% ricos do Brasil...
Schleicher - Exatamente, as pessoas dizem: 'O Brasil é um país pobre e precisa ficar rico antes de alcançar uma boa educação.' E isso não é verdade. Você pode ver países como o Vietnã, onde os mais pobres vão tão bem (nos testes) quanto os ricos no Brasil. Isso mostra que é mais uma questão de política pública: de como investir os recursos; atrair os professores mais talentosos para as escolas mais pobres; priorizar a qualidade do ensino na sala de aula; elevar aspirações e expectativas tanto para alunos quanto para professores; e garantir caminhos diversos.
O Brasil não precisa esperar ter mais recursos. Aliás, se o Brasil não investir em educação, não se tornará um país rico. A Coreia do Sul era muito mais pobre que o Brasil nos anos 60 e usou todos os últimos recursos que tinha em educação. E foi isso que fez com que se tornasse um país rico.