Sexta-feira, 29 de março de 2024

No Dia Mundial do Meio Ambiente podemos ainda ter esperanças? - entrevista

No Dia Mundial do Meio Ambiente, o diretor de políticas públicas do Greenpeace, Márcio Astrini, comenta como a ONG pretende agir em defesa dos recursos naturais. Hoje comemora-se o Dia Mundial do meio Ambiente

Publicado em: 05/06/2019 às 07h36


O movimento ambiental conta com o Congresso Nacional, com a Justiça, a opinião pública e a força reativa dos mercados internacionais para reverter as ações do  governo de Jair Bolsonaro e do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, com relação à ação anti ambiental em curso, diz o diretor de políticas públicas do Greenpeace, Márcio Astrini, uma das maiores ONGs internacionais de preservação do meio ambiente, presente em mais de 40 países.

 “O que vamos usar são os outros poderes, a indignação pública e a questão das perdas econômicas para tentar neutralizar as ações, porque enquanto o governo se diverte em destruir o meio ambiente, as consequências econômicas serão terríveis e as ambientais podem ser não apenas terríveis, como eternas”, disse em entrevista ao Correio sobre as condições da governança ambiental neste 5 de junho, Dia Mundial do Meio Ambiente, instituído pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1972. Humano. Para ele, o Congresso se tornou o Poder mais importante, já que grande parte das modificações que o governo pretende fazer  precisam de aprovação dos parlamentares.

Como o Brasil chega ao 5 de junho este ano? 


Chegamos com uma quantidade tão grande de problemas e ameaças para o Meio Ambiente, entre atos do Executivo e do Legislativo ou ameaças por declarações. Chegamos em uma situação de risco inédita. Pela primeira vez na história, desde a redemocratização, temos um presidente da República e um ministro do Meio Ambiente que tem uma agenda anti ambiental, de destruição do Meio Ambiente e dos órgãos que operam a política ambiental no Brasil. Tudo é inédito. Seja pela quantidade, pelo retrocesso ou pela violência. 

As instituições brasileiras estão preparadas para lidar com essa situação ou para responder à resistência da sociedade e do movimento ambiental? 


Isso não vamos ter que testar daqui para frente. E não vai acontecer apenas na área ambiental. O Meio Ambiente é uma das agendas que o próprio governo escolheu como agenda inimiga, como direitos humanos, cultura e educação, que já colocou duas passeatas na ruas. São diversas agendas que estão sendo atacadas. As instâncias serão utilizadas. O Congresso se tornou o Poder mais importante. Mais do que nunca, pois, para a área ambiental, grande parte das modificações que o governo pretende fazer, ou que vem anunciando, precisam passar pelo Congresso, por exemplo, para desfazer unidades de conservação, rever demarcação de terras indígenas, alterar o Código Florestal. Com esse desmonte, vão entrar no Congresso temas que não estavam. O Supremo Tribunal Federal acaba sendo a reta final para garantir o cumprimento da Constituição, principalmente dos artigos  225 (direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado),  e 231 e 232 (direitos indígenas).  Vamos usar todas as possibilidades, pois infelizmente talvez seja necessário. Hoje, temos uma sociedade que presta muito mais atenção na agenda ambiental do que antes. Além disso, o meio ambiente faz parte dos negócios e das decisões dos mercados, principalmente os internacionais, que mantém relações comerciais com o Brasil. O aumento do desmatamento da Amazônia influencia a exportação de commodities brasileiras. Uma liberação, com está acontecendo de agrotóxicos, ou da caça animal, ou o próprio desmatamento, têm uma repercussão pública muito maior do que há anos.


Como superar o velho falso dilema:  desenvolvimento X preservação?   


Esse é o pensamento do atual do governo, mas é do século passado. Parece que ele quer se convencer de algo, mas o mundo inteiro já tomou outra direção. Inclusive, os próprios exportadores, principalmente de produtos agrícolas brasileiros. Eles entenderam que a questão ambiental é muito importante para os negócios deles, que estão ligados à economia do país, à geração de empregos, e afeta o dia a dia do cidadão. Por exemplo, antes de tomar posse, o primeiro gesto do governo foi revelador. Bolsonaro anunciou a saída do Acordo de Paris e o fechamento do Ministério do Meio Ambiente. A área de meio ambiente reagiu, mas teve também uma forte reação do setor da agropecuária, porque eles entenderam que esse gesto seria um recado de que o Brasil abriu mão de cuidar de seu patrimônio ambiental, o que afetaria os negócios deles e, consequentemente, a economia brasileira. Então, o pensamento do governo está absolutamente isolado do restante do mundo.

 
Outro aspecto é que Bolsonaro ganhou as eleições, mas junto não veio um cheque em branco para destruir o patrimônio natural do Brasil. Liberar a caça de animais silvestres, que é assassinato por esporte, e mais agrotóxicos não são projetos que têm o apoio dos brasileiros. Incentivar o desmatamento, que gera impacto no clima e está ligado ao crime organizado, não têm o apoio da população. Essas medidas vão pesar muito, principalmente para o Congresso, pois se o governo não está aberto a se convencer de seus erros, acredito que os deputados estão dispostos a seguir outro caminho, e o STF e os tribunais do país também. 


A sociedade brasileira pode se mobilizar a favor do meio ambiente, como tem feito com a educação? 


Com relação ao meio ambiente, pode ser diferente. Pode ter movimento de rua, mas não necessariamente. Pode ser uma reação muito forte de redes sociais ou de agentes de influência e da imprensa. Tudo isso mobiliza o Congresso para não aprovar as leis, como aconteceu recentemente quando o presidente do Senador, Davi Alcolumbre, decidiu não votar, no afogadilho, a Medida Provisória 867, que  enfraquecia o Código Florestal. Isso foi fruto de uma pressão pública feita diretamente nos senadores. Não sei se eles votariam a favor ou contra, mas eles entenderam que, para a sociedade, é um assunto extremamente importante. Na época do ex-presidente Michel Temer, tivemos o exemplo da Renca (decreto do presidente que extinguiu a Reserva Nacional do Cobre e Associados), o debate sobre agrotóxicos também foi muito intenso no Congresso, com o PL do Veneno (6.299/2002), e, mesmo com ampla maioria de votos, a bancada ruralista não conseguiu aprová-lo. Foi votado na Comissão Especial e está parado até hoje na mesa da Câmara. O Congresso não se vê preparado para votar um tema com tamanha polarização.  Não existiu até agora mudanças legislativas de alto impacto que dependesse do Congresso na Política Ambiental.

Mas de lá para cá o governo já aprovou o uso de mais de uma centena de novos agrotóxicos...   


A Lei dos Agrotóxicos também ainda está parada lá. Esses grandes temas continuam no Congresso. Tudo o que o governo pode fazer com a caneta do Executivo, com atos próprios do Executivo no sentido de promover retrocessos ambientais, está fazendo sem dó nem piedade. Deste governo, só esperamos as piores notícias para a área ambiental. Não esperamos que tenha consciência ou arrependimento do mal que está fazendo para o país. O governo tem consciência de que a agenda é ruim, mas está determinado a promover o desmonte da agenda ambiental. O foco do governo é destruir o meio ambiente. Isso está muito claro. O que vamos usar são os outros poderes, a indignação pública e a questão das perdas econômicas para tentar neutralizar as ações, porque enquanto o governo se diverte em destruir o meio ambiente, as consequências econômicas serão terríveis e as ambientais podem ser não apenas terríveis, como eternas.
 

E o que não pode ser revertido ou recusado pelo Congresso? O governo tem outros instrumentos para mudar a política ambiental.


Ele tem o orçamento das agências, onde está promovendo um  desmonte. Ele reduziu em 30% a aplicação de multas no primeiro trimestre do ano. E já está reduzindo as cooperações de fiscalização e controle ambiental. E está desmontando todos os conselhos e a participação da sociedade. O ministro já deu declarações que pretende diminuir ou até acabar com a transparência de dados, principalmente na questão do desmatamento. O Brasil exporta essa tecnologia (de transparência de dados). Ele cria dificuldades para os órgãos atuarem na fiscalização, por exemplo, ao diminuir orçamento, ao criar um clima de insegurança e de perseguição, chamar à explicação quem estiver emitindo multas que ele não concorda,  ameaçar com processos administrativos, exonerar fiscal que multou o presidente da República. São formas de intimidação. Houve várias manifestações do ministro e do presidente vociferando contra fiscais, servidores e operações.
 
Eu nunca vi o presidente da República ou o ministro fazerem uma declaração contra um criminoso ambiental. As declarações deles são contra quem combate o crime. Não contra o crime. Quem está liderando a pasta é quem determina o ambiente que você vai ter lá dentro. O ministro criou (em março, por decreto) algo que ele chama de Câmara de Conciliação de Multas Ambientais, que é como se fosse a antessala do processo. Antes da multa ser validada, ela vai para essa Câmara de conciliação, sem prazo para julgar. Corre-se o risco de ter todas as multas jogadas em um limbo eterno de análise e elas nunca serem efetivadas. É uma espécie de balcão que eterniza as multas e faz com elas nunca sejam aplicadas efetivamente. O que a gente vai fazer é primeiro é escandalizar esse tipo de coisa, expor para a sociedade, buscar reação e caminhos legais no Congresso, na Justiça e nos mercados, que é o caminho mais rápido.
 

E sobre o desmatamento. Como está o acesso aos dados? 

O desmatamento do ano passado foi o maior dos últimos dez anos. A coleta de dados é concluída em julho e os dados saem em novembro. O ministro ainda não teve a oportunidade de fazer o que prometeu, que é questionar os dados. E estamos prestando muita atenção nisso porque o governo fez isso com o IBGE. Quando o governo não gosta dos números, ele atira no mensageiro e coloca fogo na mensagem. Estamos muito atentos com a questão da transparência dos números

 
Um dado que saiu recentemente foi um recorte para Unidades de Conservação. Foi um desmatamento recorde para unidade e conservação. Todos os dados de agora são indicativos. Em junho e julho o desmatamento ganha velocidade, porque é seca na Amazônia. O desmatamento é um investimento profissional do crime. Custa muito caro desmatar. Existe um planejamento criminoso para derrubar floresta e eles se preparam para esse momento, e talvez estejam mais confiantes do que nunca.  


Dá para contar com ajuda internacional? Inclusive com relação a essa resistência? 


A gente já Conta. A Noruega e a Alemanha dão dinheiro para o Brasil para preservação. São governos de primeiro mundo que não estão interessados em ditar as regras para a Amazônia. Eles dão direto para o governo e não para ONGs ou projetos específicos. O que eu acho que vai ter de reação internacional, é uma reação comercial. Por exemplo, o presidente da França, antes de assumir e agora mais recentemente, disse que seria promotor de políticas públicas que evitassem comprar produtos manchados pelo desmatamento. Ele  falou isso várias vezes e a França é um mercado importador dos produtos brasileiros. 

 

O Fundo Amazônia recebe R$ 1,9 bilhão e financia 103 projetos. Podemos perder esses recursos por conta de declarações do ministro de que pode usar os recursos para indenização de desapropriação? 

A doação que os governos da Alemanha e da Noruega fazem veem do contribuinte alemão e norueguês. Eles estão interessados em ajudar o Brasil a combater o desmatamento. Mas talvez o contribuintes alemão e norueguês não estejam dispostos a ver seu dinheiro usado para pagar um grileiro de terra. Essa é uma reação que o governo está provocando. Como ele tem uma política anti-ambiental e o interesse desses países é a preservação do Meio Ambiente, esses interesses começam a correr em direção oposta. É um risco enorme. E está nas atitudes do governo, em querer fazer o que não foi acordado, porque há um limite no desmatamento para que esses recursos venham para o Brasil. Se passar de um certo número, fica comprovado que as doações não estão tendo eficiência. A vinda dos recursos está condicionada a resultados do combate ao desmatamento. Se o desmatamento avança, não está havendo eficiência.


No mês passado, houve uma reunião dos ex-ministros de Meio Ambiente que divulgaram um comunicado denunciando o “desmonte da política ambiental”.  O que esperar desse encontro?

 

É mais uma das coisas inéditas provocadas pelo governo. Nunca teve uma cena dessas acontecendo no Brasil. Oito ex-ministros de partidos e convicções diferente, de forma de atuação diferente, passarem por cima dessas diferenças e se unirem para fazer um alerta comum, que é a preocupação com o rumo das políticas. A força deles é o alerta e passaram um recado muito forte, que é lido por todos aqueles que têm poder de fazer algo ou provocar resultados. Os parlamentares ouviram o recado dos oito ministro, os ministros do supremo e os mercados internacionais certamente tomaram conhecimento. Esse é poder. De exposição e mobilização da opinião pública. Não impede que o ministro continue com sua agenda destrutiva, mas tem o poder de sinalizar que as coisas estão muito ruins. 

 

Qual sua opinião sobre negativa do governo de aderir ao acordo da ONU para a redução do uso do plástico? Isso não piora a situação dos oceanos?

O padrão básico desse governo é esse. Não surpreende. A pergunta básica é: é bom para o meio ambiente? então, o governo é contra. Esse é o modus operandi. Sobre oceanos, ele liberou a exploração de óleo de gás numa área de Abrolhos que havia sido barrada tecnicamente, por conta do risco em regiões de berçário. Mesmo com o parecer técnico do Ibama, dizendo que não podia fazer o investimento, o governo fez a reversão e liberou.  Em também tem o processo que afeta os corais no Amapá, mas esse processo ainda está em análise. Não há como aplicar os requisitos mínimos de segurança para a exploração de óleo lá.
 

É possível comemorar a  volta da Funai e da demarcação das terras indígenas para o Ministério da Justiça? 


Em temos de efeitos práticos muda muito pouco. É melhor ficar na Justiça, mas isso do ponto de vista administrativo. Do ponto de vista concreto, o que vale é decisão do governo de demarcar ou não terras indígenas e o governo deixa claro que, além de não demarcar nenhuma, é possível que vá rever as que existem.

Há algo positivo nesse governo na área ambiental?


Não tem nada. Essa resposta é vazia. O primeiro contato do governo com o Meio Ambiente foi anunciar que ia acabar com o Ministério do Meio Ambiente e depois nomear para a pasta um condenado por fraude ambiental para comandar a pasta (o ministro Ricardo Salles foi acusado pelo Ministério Público de fraudar o processo do Plano de Manejo da Área de Proteção Ambiental da Várzea do Rio Tietê, quando foi secretário estadual de São Paulo). Esse foi o cartão de visita do Bolsonaro para questão ambiental. Essas agendas mais agudas, como mudança no Código Florestal, alteração do licenciamento, liberação de agrotóxicos, de plantação de de cana-de-açúcar na Amazônia e liberação de caça são assuntos velhos. Bolsonaro nem era candidato quando essas discussões começaram. O que ele faz é dar velocidade e advogar em nome dessa agenda. Ele impulsiona. E tem uma outra parte que é dele, como liberação para exploração de óleo em Abrolhos, acabar com o Conama, diminuir a capacidade de intervenção e fiscalização. Mais uma agenda ruim que ele adotou.

Como você o compara a gestão ambiental deste governo com a outros governos? 


Em outros governos teve coisas boas e ruins. O governo Dilma, para a área ambiental, foi horroroso. É bom lembrar que a senadora Kátia Abreu  (ligada ao agronegócio) foi ministra de Agricultura da Dilma. Mas foi quando foi aprovado o Código Ambiental, depois de muita discussão. O governo Temer também foi terrível. Foram dois governo com predominância muito fortes da bancada ruralista. O governo Temer tinha uma relação muito delicada com o Congresso, de negociar sua própria permanência da Presidência da República.

 
Sobre os governos de Lula e de Fernando Henrique Cardoso, também houve coisas boas e ruins, mas temos que fazer um reconhecimento no recorte do desmatamento, que foi reduzido nos dois governos. Entre 2004 e 2014, teve uma redução de 80%. Foram dois governos que investiram em três coisas essenciais: fortalecer a capacidade do estado para combater o crime; criar unidades de conservação em terras indígenas, o que supera a ação dos grileiro; e fortalecer a legislação ambiental, capacitando o estado para fazer fiscalização com a legislação já fortalecida.
 
 
No governo Lula foi criado o Plano de Combate ao Desmatamento e o Fernando Henrique aumentou a reserva legal na Amazônia de 50% para 80%. Os dois criaram muitas unidades de conservação em terras indígenas. Esse conjunto de política levou à redução do desmatamento. O Bolsonaro quer enfraquecer a legislação, a capacidade do estado, e desfazer as áreas protegidas. Tudo o que levou à redução da queda do desmatamento, Bolsonaro tem planos de desfazer. O resultado será matemático.